Crónica de Alexandre Honrado | O GLOBAL – como opção

Alexandre Honrado

Crónica de Alexandre Honrado

O GLOBAL — como opção

 

O medo e a muito vulgar incapacidade de lidar com o desconhecido fazem incorrer em extremos. Esse tipo de radicalização afasta, invariável e inevitavelmente, o ser humano do seu semelhante. Ficamos nós e sós. Ilhotas solitárias perdidas no temor, em presença de outros que tomamos por inimigos quando são apenas desconhecidos.

Noutras épocas, por exemplo, inventou-se a palavra “exótico” para enfeitar aqueles que temíamos, não compreendíamos, nos agitavam e confundiam. Hoje, recorremos a vocabulários mais brutais e formuladores de exclusões inquietantes. É este medo que nos torna intolerantes, que nos lança no abismo da idiotia para onde nos precipitamos; é o que nos leva a votar à toa, esquecidos que é o nosso futuro que estamos a trair, dando poder a traidores e a carcereiros movidos por desejos obscuros e subsidiados por interesses lesivos das nossas liberdades, da nossa dignidade. (É ainda o que nos coloca no lugar de espetador a lamentar o espetáculo triste de uma Assembleia da República onde há um bando de gente, agora poderosa, contrária à causa pública e ao bem comum).

Os seres humanos tornam-se desconfiados e perigosos quando desconhecem o Outro, quando ignoram o significado da alteridade, quando tomam a parte pelo todo em exercícios de simplificação do que é, afinal, fantástico e próspero por ser complexo e múltiplo. Num mundo onde o Global pode ser mais do que um ponto de encontro de interesses desenfreados e mais do que parece essencial, um lugar, inicial e a um tempo final, para a proximidade e aceitação da humanidade (da raça humana, a única que existe, mas que teima em cair na armadilha de se fragmentar em identidades e imobilismos locais), num mundo que pode ser amplexo, ficamos perplexos pelos retornos à barbárie mais primitiva, ao tempo da brutalidade, ao tempo do conflito e da desconfiança, ao tempo da ignorância – temos ainda uma magra hipótese, antes da execução final do planeta e da vida.

O percurso humano tem estas armadilhas espalhadas pela rota, que permitem a emergência de um destino desumano e chocante. Falta educação e alfabetização emocional aos nossos dias.

Vivemos num tempo em que isso se demonstra a cada passo, um tempo de poucos sábios e de muita ignorância e de infinitos ignorantes, partilhando um espaço que não é comum, espaço de desolação, de desilusão onde apedrejamos aqueles que podiam sentar-nos às suas mesas e que, retribuindo, podíamos receber à nossa mesa com satisfação e não com o azedume e o ódio que tem sido marcas da cultura dos últimos decénios.

A urgência de um humanismo atualizado, com a marca do globalismo, retomando valores arredados da prioridade social e fundamentados numa cidadania participativa, crítica e ativa, essa urgência torna-se hoje mais do que em décadas anteriores, uma prioridade cultural e cívica, uma demanda da audácia que nos possa libertar do charlatanismo populista na traição ao melhor do que ainda somos e que, no fundo, a maior parte de nós, com maior ou menor consciência disso, exige ser.

Impõe-se uma nova visão cultural da sociedade que, por vezes, no cansaço das frustrações, da não obtenção de soluções ou de recompensas imediatas, falhos de riquezas e dos poderes de compra ilusória, tendem a alinhar com o primeiro demagogo que apareça, soletrando frases que, de tão banais, parecem traduzir o que se sente.

Chegou a hora de lutar — se queremos paz. Será a época de sermos outra coisa, partindo de nós. Rumo ao global, porque todos devem estar próximos de todos, num último esforço resistente.


Alexandre Honrado

 


Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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